“Reino Encantado” revela Quilombo na Serra do Catolé, que serviu de coito para Lampião
Por João Costa
As crônicas escritas em 1878 por Tristão Alencar de Araripe Júnior para o jornal Gazeta de Notícias e depois reunidas no romance “Reino Encantado”, 1878, faz uma descrição sombria da Pedra do Reino e seu entorno, um quilombo assustador em decorrência de personagens reais como João Antônio e João Ferreira, os líderes da seita que tornou o lugar, além de uma referência histórica e cultural, um símbolo macabro, e ao mesmo tempo mágico do “sebastianismo” no Brasil.

Chegar à Pedra do Reino, na Serra do Catolé, é uma grande aventura
Assim descreveu Tristão Alencar ao chegar na Pedra Bonita, dois anos após os acontecimentos:
“Não obstante, porém, estar a terra despida do seu adorno primitivo, mãos barbaras haviam-n’a coberto de uma crosta denegrida e putrida; era sangue coagulado que revestia já em grande extensão.
Tornava-se evidente que immolações, não só de irracionais, como de creaturas humanas, tinham tido lugar ali, e as cabeças enfladas nas estacas attestavam o inaudito attendatado.
Quem olhando para a parte mais funda da covoada seguisse o vôo dos corvos que pairavam no ar em busca de carniça iria descobrir não distante o cemiterio das infelizes victimas de nunca vista ferocidade. Cadaveres de crianças, nem se quer enterrados, roidos pelos abutres, a par de umainfinidade de esqueletos de animaes de varias especies, davam crêr que a carnificina não seria de longa data.
De onde teriam vindo essas incautas presas para cahirem sob o cutello impiedoso dos fanaticos!?
João Antonio, portanto, não mentira ao missionario quando referia arrependido que o seu sucessor João Ferreira estava possesso do demonio.
Dissemos atraz que os quilombolas conservavam-se em suas tocas: devemos adicionar que o sol já era alto, e ainda os effeitos da tormenta continuavam a prendel-os nas tipoias. Entretanto, porém, a ralé d’aquella pequena povoação entregava-se ao peso da carne, coo qualquer alcateia de lobos que acabasse de cevar-se no sangue do cordeiro, o negregado Fr. Simão e o mysterioso chefe da seita praticavam entre si recolhidos á gruta mais baixa que acima descrevemos”.
Distante 437 Km de João Pessoa, chegar à Pedra do Reino, por qualquer rota, é uma aventura e um mergulho na História do Brasil, se a viagem for embalada pelo fascínio que o Sertão Sebastianista desperta ou simplesmente uma busca de explicação racional por ter sido um lugar onde durante três dias, os fiéis do Reino, embalados por gritos, danças hipnóticas, música e bebidas alcoólicas, mataram 30 crianças, 12 homens, 11 mulheres e 14 cães. É este o lugar que dá nome a romances consagrados, teatros e espaços culturais em João Pessoa.
Mas a Pedra do Reino guarda outros segredos. Localizada na Serra do Catolé, em São José do Belmonte(PE), cidade localizada num entroncamento nas divisas entre Pernambuco, Paraíba e Ceará foi Rota do Cangaço e romeiros no início do século XX.

Ferido pela volante paraibana, Lampião buscou abrigo num coito próximo à Pedra do Reino
Esta serra serviu de esconderijo perfeito para Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, refugiar-se por algum tempo para tratamento de ferimento à bala.
Mas exatamente em qual local? Historiadores do cangaço relatam que, da grota onde estava em tratamento, Lampião tinha como visão privilegiada a Pedra do Reino. Quase na divisa entre Pernambuco e Paraíba, pois seus coiteiros recorriam ao comércio do povoado paraibano de Santa Inês para compra de mantimentos. Uma distância de apenas 37 quilômetros.
A Serra do Catolé abrigou o “Rei do Cangaço” após ferimento grave em tiroteio com volantes conjuntas da Paraíba e Pernambuco.
Removido para um coito nesta serra, Lampião tinha a “Pedra Bonita” como seu cenário. Mas durou pouco.
Devido a gravidade, Virgulino foi removido para Patos de Irerê, na Paraíba, onde recebeu tratamento médico.
Em decorrência do ferimento, “ficou aleijado e puxando de uma perna, foi seu Quelé quem botou” diz um trecho de versos populares sobre a saga do “Reio do Cangaço” e seu arqui-inimigo Clementino Quelé.
O mesmo Clementino Quelé no comando da volante paraibana, capturou e sangrou o cangaceiro Cícero Costa, o enfermeiro do bando de Lampião, quando este deixava o coito na Serra do Catolé.